Percepções Poéticas

O que escrevo não é a realidade em si, é algo transformado pelo meu olhar...

Textos

Tudo se transforma... Tudo!

     Qual a emoção do cientista diante da descoberta; do contemplado de um bilhete de mega prêmio; do paciente diante da cura? Penso que, se não experimentei tal emoção, vivi algo semelhante – o rosto virou leito de rio  e os olhos confundiram-se com estrelas. 

     “Culpa” de um garoto da escola, colecionador de desesperanças e advertências. Morava com o pai, desde que a mãe o abandonara no desmame dos três dias de nascido. Cresceu arredio sem o calor materno. O pai, de tanto tentar ser mãe, viu-se impotente sendo pai. 

     A incerteza de um coração indomável movia frustradas experiências docentes. Certa vez, aprontou-me mais umas de suas peripécias: negou-se a cumprir o dever de classe, molhou o caderno do colega à frente e xingou o João com o "temido" palavrão análogo à miséria humana. 

    - Oh, professora, a senhora viu?! Ouviu?! Professoooooora! - Gritavam repetidamente meninas e meninos "injustiçados" pela benevolência, paciência e altruísmo para com o aluno indisciplinado do sexto ano do ensino fundamental.

      Cansada de insucessos, superei os limites de minha autoridade e prometi-lhe: “Basta! Você será transferido! Se não conseguimos contribuir com a sua educação, outra escola o fará"! O menino parecia estar no “Congresso Internacional do Medo”, seus olhos agora brilhavam... de desamparo... de solidão, de medo, e um pedido de perdão irradiou o dia. Olhos e ouvidos sincronizados com os dele, quebrei a promessa e dei-lhe mais uma chance.

       Algum tempo passou. Entre lutas interiores, incidentes e regras, mostrou paulatinamente, interesse pelas aulas. Para a surpresa da classe, eu disse, um dia: “Além deste diário de advertências, guardo comigo um caderno de elogios, o qual recebe hoje pela primeira vez, o nome de Carlito”.

       Aparentemente constrangido, o menino concretizou num sorriso a esperança das “sementinhas do vir-a-ser”, e, em vez de palavras descabidas, gritou internamente: “Eu posso ser alguém melhor” – de tão altas, o coração transbordou, perante a classe comovida, e todos perceberam que na natureza tudo se transforma! O prêmio da descoberta do novo superou a cura de uma visão estereotipada e distorcida das possibilidades de transformação de tudo.

Elciane de Lima Paulino
Enviado por Elciane de Lima Paulino em 29/10/2024
Alterado em 29/10/2024


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