Eu precisaria renascer das cinzas para expressar o que me ocorreu no dia trinta e um de outubro de dois mil e vinte e quatro. Quereria exprimir em versos como a natureza excêntrica de Augusto, ou expressar ao modo da monstruosidade kafkiana. "Trabalho, teimo, limo, sofro, suo, não disfarço o emprego do esforço".
O dia acabava de nascer, e a lua, misteriosamente, acompanhou-me até a escola. Ainda dava para ver São Jorge lutando com o dragão - o que ele estaria dizendo? Doces ou travessuras? Tinha tudo para ser um dia "normal", mas três fatalidades o transformaram no meu pior dia de Halloween: a ida para o trabalho, depois de uma noite sem dormir; a mudança de horários das aulas, que me deixou de folga nas duas primeiras horas; a expulsão de um gato preto deitado no sofá da sala de professores.
Eram sete horas e quarenta e cinco minutos quando abri a porta da sala de aula e me deparei com quarenta olhos vidrados em mim, olhos desconsolados, esbugalhados, lacrimejantes, remelados, de todos os tipos. Quase peguei a chave do carro para sair correndo dali, isto evitaria o que me sucedeu. Num piscar de olhos, tudo ficou ainda mais amedrontador: sons repetitivos semelhantes a sirenes ruidosas calaram a minha voz, as cenas mesclavam-se entre criaturas necrófagas, mumificadas e monstruosas. Os músculos de minha garganta contraíram-se formando um nó e impediram-me de gritar - SOCORROOOO....... Qualquer tentativa foi em vão.
Fechei meus olhos, pus os braços sobre a fronte, dei um passo para trás, únicos movimentos permitidos por um medo feroz. De repente, uma força, corajosamente, sarcástica provocou-me a curiosidade para reabri-los, e me deparei com um zumbi gosmento babando as cadeiras e os cadernos dos demais seres esquisitos, parecia estar atormentado, alucinado, tresloucado.
Aproveitei o sarcasmo e lembrei-me da força discursiva do juramento de formatura: “Prometo solenemente, no desempenho de minhas funções, transmitir com dignidade, integridade, honestidade e ensinar educação. Pelos ossos do ofício, sentir-me-ei realizada.” E o meu brado retumbante soou assim:
- Eu não estou vendo isso! O zumbi que babou essas cadeiras e esse caderno é invisível para mim e para todos, não é deste mundo! Eu me recuso a ocupar esta sala com seres de outro mundo!
Calei a minha voz. E o riso de hienas jocosas irritaram-me os tímpanos. Pensei que seria devorada por elas, mas as lancei para fora da sala. Pude notar que, o meu grito de terror, havia quebrado todos os meus ossos – não os do corpo, naturalmente, mas os ossos do ofício!
Morri de medo ou incineraram-me viva, o certo é que ressuscitei de um pesadelo horrível, após o barulho estridente do intervalo. Estava estirada no sofá. A primeira imagem que vi foi a do gato em vigília, aguardando que eu saísse de lá. Percebi que aqueles seres maravilhosos eram meus alunos travestidos cada um com a fantasia propícia para o dia. Enquanto eu, numa louca introspecção – criei uma imagem desintegrada de mim mesma, transformei-me num ser indigno de realizar qualquer ideal naquele meio, levantei-me com a consciência metamorfoseada n’O morcego de Augusto e voei dali. Minha fuga desencadeou esta crônica, a qual representa meu pior dia de Halloween.