A mulher que dominou o rei
Leitores, eu vou contar
Uma história fascinante
Do dia em que uma moça
Tornou um povo pensante
E ficou tão conhecida
Pelo seu feito brilhante.
No tempo dos ancestrais
Uma história de amor
Uniu dois povos distintos
Rompeu conceitos de cor
Mudou regimes e leis
Transformou espinho em flor.
Morava em pequena aldeia
Um povo chamado navika
Cuja cultura herdava
Pluralidade tão rica
Vivia da agricultura
Comendo milho e canjica.
Zarina Malika, a filha
Criada com devoção
Aos deuses de sua tribo,
Vivia com um irmão
Os pais Akin e Zuri
E um “filhote de pavão”.
Do pai, o vigor guerreiro
Da mãe, porfia sutil
Do irmão Zaki, esperteza
Desde a fase pueril
Heranças que a tornaram
Rainha de um gentil.
O rosto dela moldado
Como a beleza ao luar
Os olhos eram estrelas
Das noites de Shariar
O sorriso um complemento
De seus versos ao cantar.
Sua identidade negra
O corpo valorizava
Sobre os protusos ombros
O cabelo avolumava
Em espirais infinitos
A natura coroava.
Certo dia, a aldeia
Surpreendida num conflito
Entregou seu território
A um povo arabito
Que implantou nesse lugar
Regimento circunscrito.
Também o povo navika
Não pensou organizar
A estrutura de seu povo
Para com outro lutar
Assim ficou à mercê
Do governo de Jafar.
Jafar tornou-se o rei
Dos navikas e arabitos
Implantou uma guerra santa
Pra tristeza dos aflitos
Construiu um grande templo
Imperou a espada e gritos
Três esposas relaxavam
O rei forte e destemido
A Injus, a Inata e a Incerta
Ainda sentiam o marido
Num vazio da existência
Feito um jovem combalido.
Desse espírito rebuscado
Surgiu conjunto de leis
Que mantinham coesão
Co’as ideias de outros reis
Não vou me aprofundar
Porque todos vós sabeis...
Mas aqui neste cordel
Dessas leis vou destacar
Quatro artigos tolerantes
Só no mundo de Jafar
Com período de três anos
Em caráter liminar.
O primeiro se tratava
Ao não relacionamento
Entre arabito e navika
Em questão de sentimento
Nem se casar nem ter filho
Sob pena de tormento.
O segundo era sobre
Matéria de religião
Não adorarás os deuses
Dos filhos da outra nação
Sob pena de morreres
Na gruta da perdição.
O terceiro sobre a língua
Exigida em território
Aprender o arabito
Tornou-se obrigatório
Sob pena de em três anos
Mudar-se pra outro empório.
Já o quarto reportava
À questão da economia
Do comércio implantado
Dois terços pra monarquia
Ai daquele que inventasse
Ser contra a hierarquia.
Assim o povo navika
Viu-se perdendo prestígio
A família de Zarina
Diante do desprestígio
Pensou em fugir da terra
Sem deixar nenhum vestígio.
Porém, seria sensato
Esperar o fim do senso
Pra ninguém desconfiar
E o clima não ficar tenso
Em pensar perder a vida
Já causava medo intenso.
Zarina era guerreira
E pensou se rebelar
Pra lutar pelo seu povo
Com coragem salutar
Dirigir-se ao arabito
Sem ninguém a enxergar.
Grande risco ela corria
Num dia de terça-feira
“Enfrentar o rei Jafar...
Ser jogada na fogueira...”
E ninguém ficar sabendo
Agindo desta maneira.
Não vendo outra solução
Zarina seguiu ao templo
E pediu para os soldados
Na força do seu exemplo
Ajoelhou-se e falou:
- Traz o rei a quem contemplo!
Logo apareceu a Injus:
- Quem ousa querer Jafar?
A Inata então chegou:
- Dá preguiça de chamar!
Então a Incerta ordenou:
- Vá! Ou vai incomodar?
- Eu vim em nome da paz
Vim meu povo defender
As terras onde pisais
Vão voltar a pertencer
Aos navikas e vereis
Quem Zarina ousa ser.
- Prendam-na, soldados tolos!
(A Injus deu ordenação)
E retirem desta jovem
Família, amigos e pão
Jafar não deve saber
De sua condenação.
A Inata ganhando voz:
- O que fazem aí parados?
Vamos, a Injus é quem fala!
Não estão amedrontados?
A Incerta se perguntou
- Eles foram afrontados?
Os soldados temerosos
Pelo ato leviano
Lembraram-se da influência
Da mulher ao soberano
E conduziram Zarina
Mas “entraram pelo cano”.
Dois dias do ocorrido
Ao chegarem na aldeia
Os dois recenseadores
Espalhando a vida alheia
Viram gente fofocando
Numa confusão tão feia!
Logo que se sucedeu
Na tribo esse rebuliço
Aos ouvidos do tal rei
O fuxico do sumiço
Jafar foi aos seus soldados
Desconfiado com isso.
- Não teria eu coragem
De demonstrar subversão
(Disse um deles nervoso
Prostrado pediu perdão)
Recaia a culpa às esposas
Que deram essa missão.
- Quero que tragam as três!
Os soldados se apressaram
E trouxeram as mulheres
Que logo se explicaram
Ajoelhadas diante dele
Aos choros se esquivaram.
A Injus disse com soberba
- Colocas teu aposento
Para Incerta se deitar
Eis agora o teu lamento
Manda embora aos pais dela
Com a direção do vento.
A Incerta injustiçada:
- Quem deve ir é você
O que vou dizer agora
Todo mundo daqui vê
Que você junto a Inata
A lei desonra ou não lê?
A Inata com sua preguiça
Abriu os olhos cansada
- Cale a boca, fofoqueira
(Dizendo ensimesmada)
O que tenho a ver com isso?
Vá jogar-se da sacada!
O rei então percebeu
Indignado com aquilo
Que a língua de cada esposa
Pesava mais de um quilo
E mandou buscar Zarina
Enquanto estava tranquilo.
Enquanto isso, a prisioneira
Orava a Olorum
Que levasse aos seus pais
O seu pedido só um
Perdoem a filha ingrata
Que não deu orgulho algum.
Num momento, ouve o grito
- Levanta-te, moça navika
O teu rei quer tua presença
A boca calada fica
Assim, ameniza o mal
Jovem rebelde, impudica.
Empurrada e acorrentada
À corte do Rei Jafar
Foi exposta de joelhos
Encarando-o sem cessar
Diante de sua beleza
O rei se pôs a pensar.
“Quem é esta que introduz
Uma espada no meu peito
E me sangra com seu ódio
Despertando algo suspeito
Que me abrasa um devaneio
Me deixando aqui sem jeito?”
- Como te chamas, navika?
O que tens em meu poder?
Desconheces regimento?
Não tens medo de morrer?
A qual deus de tua crença
Te atreves obedecer?
- Com prazer, eu sou Zarina
Tens Navika em teu poder
Teu injusto regimento
Eu não quero obedecer
O meu deus é Olorum
Por que tu queres saber?
Esse rei perdeu a sorte
Com a língua de mulher
Quem pergunta sem pensar
Ouve aquilo que não quer
A navika se comporta
Como fosse um qualquer.
- No teu peito tem coragem
De guerreiros anciãos
Porém ainda és jovem
Não mete os pés pelas mãos
Tem mais respeito comigo
Por ti e por teus irmãos.
“Um pedido de respeito
A uma jovem donzela?
O que houve com o rei?!”
Foi o pensamento dela
Sem ter nada a perder
Colocou o caso em tela.
- Quem és tu, rei governado
Por mulheres sem virtude
Que exilaram os meus pais
Dando-me à incompletude
De viver em uma cela
Feia, pequena e rude?
O rei não lhe quis dar gosto
De ouvir uma resposta
Pela desobediência
Ou por atração oposta
Mandou-a para a prisão
Pela cena aqui composta.
Quando ficaram sabendo
As esposas se irritaram
Com a pieguice do rei
De repente planejaram
Um dissidente maléfico
Matar Zarina pensaram.
No plano mais ardiloso
Alimentado pelo ciúme
Levaram no dia seguinte
A canjica de costume
Com três gotas de veneno
Embebidas no azedume.
Ao cheirar o prato azedo
Desgostosa do destino
Afastou o alimento
tremendo o corpo mofino
Arrependeu-se de um dia
Confrontar com desatino.
Encontrou duas latinhas
Construiu um agogô
Lembrou-se de sua infância
Dos tempos com seu avô
Mentalizou as histórias
Contadas por seu griô.
Dali fluiu poesia
Que conto neste cordel
Do som daquele instrumento
Ouviu-se um carrossel
Girando as palavras dentro
De um coração de fel.
Pasmem, caros leitores
Pois nem eu mesmo sabia
Que, à noite, o Rei Jafar
Bem disfarçado saía
Para cortejar Zarina
E para ouvir poesia!
E a dama correspondia
Pensando ser um soldado
Já que o rei escondia
Na gálea o rosto ajustado
E toda noite ele ouvia
Um poema enamorado.
Tal como os trovadores
Das cantigas de amigo
A moça cantava os versos
O agogô estava consigo
Sonorizando as estrofes
Naquele triste abrigo.
“Ai que saudade que tenho
De uma noite de amor
Soldado, da guerra vem
Trazendo-me bela flor
Que quero te dar um beijo
E sentir o teu sabor.
A minha alma está sedenta
De viver em liberdade
Como um pássaro que canta
Em plena felicidade
Entoando os meus valores
Canto de diversidade.
Não serei eu submissa
Ao ardor do coração
Pois o homem que venero
Trancou-me numa prisão
Não de corpo, mas de alma
De saudade e de ilusão.
Ah que amor paradoxal!
Grita alto o sentimento
Quando os olhos do rapaz
Surgem no meu pensamento
O amor é vulcão, é fogo,
É suave, é forte, é lento.
Vem conhecer a beleza
Do meu sublime pavão
Levanta comigo asas
Na tua imaginação
A vibração dessas cores
Vibra o nosso coração.”
[...]
Ouvindo essas canções
Rei Jafar enlouqueceu
Queria sentir o beijo
Da moça que prometeu
Caso lhe trouxesse a flor
Da guerra que se venceu.
Foi assim que ele acordou
Embora sem ter dormido
E chamou uma das amas
Para comprar um vestido
Da cultura dos navikas
De todos o preferido.
- Pra quem, Vossa Majestade?
Perdoe por perguntar
É que preciso saber
Tamanho para comprar
- É para a prisioneira
Do coração de Jafar.
- Outra vez peço perdão
Pois não sei quem teve a sorte
De ter vosso coração
Sois um rei temido e forte
É para qual das esposas
Que vivem com seu consorte?
- É para a jovem Zarina
Que se encontra prisioneira
Somente dela depende
Do trono ser a primeira
E a firmeza do palácio
Caberá a ela inteira.
Pensou a ama consigo
“Parece que ele bebeu
O restinho do juízo
Foi o gato quem comeu
Mas farei o que me ordena
Pois não é problema meu.”
Dirigiu-se ao comércio
Gerando desconfiança
Por comprar um bom vestido
Bem naquela vizinhança
“Quem usaria tal roupa?”
Questionou-se uma criança.
Em seguida perguntou
- Quem do reino usaria
Um vestido colorido?
Certamente não seria
Destinado para moça
Pertencente à monarquia...
- Certamente não seria
Porém não vim pra fofoca
Caso contrário o rei faz
Da minha língua paçoca
Não vou trocar o meu luxo
Pra viver só numa loca.
Quando o vestido chegou
O rei mandou embrulhar
E a caminho da prisão
Zarina foi encontrar
E declarar seu amor
Com intenção de noivar.
E ele não se esqueceu
De colher a bela rosa
E caprichar no anel
Para a princesa formosa
Dizer: “Quer casar comigo?”
Depois ouvir uma glosa.
Aproximou-se da cela
O soldado abriu a porta
Jafar foi logo dizendo:
- Vê tu como te comportas
O que venho te dizer
A todo esse reino importa.
Sou eu aquele soldado
Que passa a noite contigo
Cantando teus lindos versos
Deixaste o reino em perigo
Eu hoje venho pedir
Princesa, casa comigo!
Zarina, dissuadida
Pela dor e sofrimento
Duvidava se era ódio
Ou amor o sentimento
Que nutria pelo rei
Naquele exato momento.
Mas de dentro renasceu
O orgulho da menina
Ao receber o presente
Abriu de maneira fina
E disse que o seu vestido
Numa cela não combina.
Então ele estremeceu
Para pegar na mão dela
E colocando o anel
- Serás a minha donzela
Terás por teu este reino
Estás liberta da cela.
Zarina explicitou:
- Não posso amar você.
Depois de tudo o que fez
Além disso o que se lê
No regimento arabito
É o que todo mundo crê.
- Aproveita que domaste
Com espada o coração
De um rei jogado à sorte
Dessa tua indecisão
Lança-me tua proposta
Muda o que queres então.
- Como podemos casar?
Perdeste de vez o tino?
A lei isto não permite
Muito menos ter menino
Sob pena de tormento
E má sorte do destino.
- Meu tormento é viver
Pensando no teu desprezo
Ver-te dentro desta cela
Também eu me vejo preso
Aceita casar comigo
Este é o meu maior desejo.
- Não posso casar contigo
Sem meu deus abençoar
Diferença religiosa
Não nos permite casar
Sob pena de morrermos
Eternamente penar.
- Não importa se teu santo
Não se encontra com o meu
Como posso viver triste
Comparado a quem morreu
Dá-me a sorte do teu sim
Para sempre serei teu.
- Para eu casar contigo
Precisas reformular
A língua obrigatória
Para meu povo falar
Navika vem em primeiro
A tua noutro lugar.
Além disso, a riqueza
Produzida em equidade
Por navika e arabito
Tem a mesma paridade
De poder usufruir
Com justiça e liberdade.
O rei estando em domínio
Na questão emocional
Ordenou aos seus soldados
Ver o cerimonial
E o contrato do casório
Disponível no local.
Do coração de Zarina
Vendo no rei seu valor
Derreteu-se todo o fel
Recebendo aquela flor
Dispensaram os soldados
Entregaram-se ao amor.
Quando as esposas do rei
Então ficaram sabendo
Esperaram-no chegar
Para ficar rebatendo
Só que nem imaginavam
O que estava acontecendo.
Entravam entre os umbrais
Daquele nobre castelo
Jafar e sua princesa
Braços dados feito um elo
Todo o povo comentando:
- Nossa, que vestido belo!
Injus, Inata e Incerta:
- Ninguém merece esta sina
Dividir os aposentos
Com a nova inquilina,
Disputar o amor do rei,
Isso mesmo “nem na China!”
Impulsionadas de raiva
Começaram a gritar
Rompendo as etiquetas
Do reino do Rei Jafar
A Injus num golpe de pé
Quis Zarina derrubar
Acudiram os soldados
- A sorte que não pegou!
Sentindo-se ameaçada
Zarina então pensou
“Vai provar do seu veneno
Aquela que me cercou.”
- Jafar, você determina
O que vai acontecer
Com essa rivalidade
Aqui não posso viver
Constrói para mim palácio
Felizes podemos ser.
Enquanto não fica pronto
Coloca essas mulheres
Dentro de um calabouço
Sei lá, faz o que quiseres
Mas não me deixa com elas
Usar os mesmos talheres.
Ele decerto pensou
Livrar-se de cada uma
Mas o fato é que o rei
Não tinha vontade alguma
De enfrentar as três mulheres
E depois não ter nenhuma.
Injus mais injustiçada
Num conflito interior
Por perder mais território
No coração imperador
De Injus restou só Jus
Tal o efeito redentor.
Inata outra vez cansada
Com o novo desafio
Percebeu que o casamento
Estava só por um fio
Fez nascer motivação
Para trabalhar em trio.
Incerta desconfiada
da incerteza do futuro
Apegou-se à certeza
De um momento inseguro
Enleou-se às amigas
Num ciclo bem mais maduro.
Justiça, labor e certeza
Equidade ao reino veio
Rei Jafar disse orgulhoso:
É... nesses princípios, creio!
Que poder a poesia
Implantou aqui no meio!
Num tempo de sete dias
O castelo ficou pronto
Todo o povo convidado
A surpresa? Nem vos conto
A família de Zarina
Foi levada ao seu encontro.
E num beijo demorado
Selou-se a união
Entre dois povos distintos
Tornando uma só nação
Confirmando o casamento
Enlaçando mão com mão.
Mudou regimes e leis
Que história fascinante!
De um povo conquistado
Surgiu a mulher reinante
Assim Zarina Malika
Tornou um povo pensante.
Elciane de Lima Paulino
Enviado por Elciane de Lima Paulino em 09/11/2024
Alterado em 17/11/2024