Percepções Poéticas

O que escrevo não é a realidade em si, é algo transformado pelo meu olhar...

Textos

Já é domingo

     O tempo consagrou-se naquele menino correndo no programa do Pedro Alves. A música do rei ecoando em nossa casa, e, na minha imaginação, Pedro era o rei. Parece que foi ontem, numa das tardes de domingo, o menino do tempo deitou-se numa rede e começou a balançar, iludindo-me nos braços de papai com o rádio de pilha nas mãos. Enquanto isso, mamãe era quem comandava tudo e preparava o almoço, que tinha sempre um toque especial, fazendo-me pular da rede ao dizer: “A comida está pronta!”

     Artimanhas do menino, a cena repetiu-se por longos anos sem que eu me desse conta de como ele era veloz. De repente, eu já não era mais criança e o programa saiu do ar. Só me dei conta porque justo agora estou a embalar papai, na rede que não é mais a mesma, sem o “Roberto Carlos Exclusivo” – nossa preferência de domingo. Restou-me cantar a saudade que forte bateu no peito:

     - Papai, sente-se aqui comigo! Vamos conversar!

     - Oh, minha filha, conversar o quê?

     - Vou escrever um nome bem bonito para o senhor ler.

     .......................................................................................

     - Que nome é este, meu pai?

     Queria falar de lembranças dos domingos de outrora, entretanto, a conversa saiu do tom porque sua memória já estava curta demais. Meu velho contemplava aquelas letras como um amante das artes de Elias dos Santos, como a filha, ainda menina, ao imaginar o rei. Na tentativa de decifrar seus pensamentos, poupei-me de mais alguns minutos de prazer e insisti:

     - Que tal, papai? Este é o seu lindo nome: José .....

     - É mesmo, Nega? Este é o meu nome? Meu Deus, como é bonito o meu nome!...

    Ainda elogiei a caligrafia dele no tempo em que me ensinava a ler; entreguei-lhe um lápis e pedi que reescrevesse o próprio nome, mas ele se queixou do sol poente que o limitava a enxergar melhor, prometendo-me que o faria amanhã.

     Mais uma vez, o tempo brincou ao meu redor, subiu num cavalo e saiu a galope na estrada afora. Ainda desejei que ele caísse naquele riacho para ver se parava um pouco de tanto correr, mas a voz empostada de mamãe que me fez parar:

     - Nega, já está na hora de ir!

     Para papara papara para papara papara para papara papara papara papa....

Elciane de Lima Paulino
Enviado por Elciane de Lima Paulino em 01/12/2024
Alterado em 01/12/2024


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