O poder da palavra
É verdade que a palavra tem poder. Ela é coesão, coerência e incoerência. Não há tecnologia mais avançada, ferramenta mais indispensável no dia a dia, objeto mais instigante do que a palavra. Ela ocupa lugar privilegiado na sociedade e na consciência individual. É interessante como imergimos em utopias, compartilhando-as mutuamente, mesmo sabendo das precárias ou inexistentes condições de torná-las uma realidade – isto se deve à quê? À palavra. É filosoficamente dialética, quando na interação entre sujeitos conseguimos objetivá-la de modo que o outro a compreenda em todo contorno de seu perfil discursivo; é curiosamente capaz de magoar, alegrar, ferir, reconfortar, enfim, inúmeras possibilidades de ações, omissões, sim, ela também tem o poder de silenciar, de prender-se subjetivamente num eu que não se pretende revelar. Palavra é mistério.
Vale atentar para outra peculiaridade da palavra – a de estabelecer conexões entre as pessoas. Ela serve de elo e ao mesmo tempo transcende para a função de quebrar esse elo. Ou seja, ideologicamente, a palavra liga ou afasta as pessoas a imensuráveis distâncias, mesmo que estas são sejam fisicamente observáveis, explico: já foi dito que a palavra, tendo se formado no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se mudando de aspecto, pois é obrigada a apropriar-se do material exterior. Isto quer dizer que geralmente, ao se materializar, mesmo que ela não distancie fisicamente os indivíduos, ao ser recuperada pelo contexto, torna-se ainda mais cruel, dissipando-se nas aparências ou travestindo-se de uma intenção não muito clara e, portanto, incompreensível. Neste caso, sendo incompreensível, não há comunicação, não há ligação, não há coesão entre as pessoas. Esta é a natureza da palavra.
Há quem acredite que ela vem de fora e sem pedir licença invade nossa vida, nesse caso a considero crime hediondo. Quem já se viu apropriar-se da intimidade de alguém sem que haja consentimento. Palavra indecorosa!
O livro Gênese diz assim: “No princípio era o Verbo e o Verbo Divino se fez carne”. Na perspectiva criacionista, ela parte do princípio idealista ou objetivista? Ah, a Palavra, a palavra!...
A palavra adapta-se facilmente às incoerências da vida, refletindo-as perfeitamente. Este é um ponto que a ciência deveria debruçar-se ainda mais: o signo linguístico, num processo de semiose, transforma-se em novo signo ideológico, refratando tantas imagens de si mesmo que se torna difícil explicar a sua complexidade.
Foi através da palavra que conseguiram deturpar minha imagem. Eu não pretendia fingir-me de poeta, nem pretendo ser nessas condições. Os poetas que me entendam, reconheço a importante missão de lidar com ela.
A pior face da palavra é quando ela consegue subjugar o indivíduo na força da expressão. Politicamente falando, às vezes é necessário seguir padrões, instintos sociais, num mecanismo de censura em que não se permite burlar seu sistema. Quanto a isso calo-me. Ou melhor, “Pai, afasta de mim esse cale-se!"
E o que temos nós a ver com isso? Tudo e nada. Devemos conhecer esse objeto de estudo... Devemos saber de leis fonéticas que a tornam palpável... Devemos saber usá-la nas diferentes situações... Devemos ter o devido cuidado para não desviar de suas normas,... Devemos ser coerentes sem receber nada em troca... devemos usar conectivos e sermos claros e objetivos... Devemos nos unir nessa instigante utopia chamada “palavra” sem nada recusar? Devemos intertextualizá-la, considerando seu poder de encadeamento, de prosseguir em outros discursos... Palavra conflituosa gera conflito, mas também pode gerar silêncio, palavra erótica pode proporcionar prazer, mas também pode gerar um desprazer, palavra amiga promove a amizade dependendo de quem e de como a pronuncia. A palavra se ensina. Os verdadeiros sábios lidam bem com essa ferramenta. A qualidade dela, suas nuances e regras externas que possibilitam sua objetivação é que determinarão ou não a interação – a palavra é a chave do entendimento e da (re)ação, eis o poder da palavra.